terça-feira, 5 de agosto de 2008

Dia 3 - 2º Dia de trabalho - 3ª feira

acabei de ver os comentários...que felicidade estúpida que sinto ao lê-los...estúpida entre aspas, quero apenas dizer que não deve ser muito normal ficar assim tão feliz, mas isto de se estar isolado e num sitio tão diferente do nosso, justifica todos estes sentimentos, parece que tudo o que se sente tem maior intensidade.

Hoje aprendi muita coisa sobre este povo, já que os meus candidatos demoram tanto tempo a fazer os testes, dá para ir conversando com os que já se despacharam no entretanto, foi muito curioso...mas já vos conto :)

Comecei o dia como habitual às 6.30h,

hoje estava particularmente cansada…novamente os camiões e as motos não param…não sei se já contei mas aqui há motas táxi, motas normais velhas e barulhentas que servem de táxi…pois que são as mais requisitadas nesta parte da cidade, porque aqui há algum dinheiro e só há dois tipos de táxis, carrinhas táxi (para os menos afortunados) e motas táxi ( mais caras), portanto aqui sofro eu com o barulho constante das ditas all night long…mas sobrevive-se, uma olheira a mais uma olheira a menos…vai-se indo. Bom, como estava a dizer, dormi pouco e mal, continuo com frio de noite e sem loja ao pé para ir comprar uma camisola, vai ser lindo no Lubango…lá faz frio mesmo.

(foto dum candungueiro...taxi)

Desci para comer às 7.30h e entrei ao serviço meia hora depois, já lá tinha 6 pessoas à minha espera. Correu bem, enquanto uns faziam o teste informático eu ia dando ajudas aos da classe 8ª (menor hab.lit.) no preenchimento dos testes de papel. A manhã passou-se sem grande percalços não fosse a energia falhar por duas vezes e dar cabo dos resultados de dois candidatos que faziam o teste informático.

À tarde foi mais interessante, tinha outros 5 candidatos todos para fazer os testes informáticos e como só faz um de cada vez, dava para ir metendo conversa, então decidi “comparar” culturas e ver o quão diferentes os angolanos são dos portugueses… vejamos o primeiro assunto:

- o namoro: o namoro tem um ritual interessante, um homem ao passar na rua topa uma mulher interessante e chama-a, ela é “obrigada” a ir ter com ele, trocam números de telefone e começam a sair (desde que ambos concordem), as saídas na primeira semana podem ser frequentes até ao momento em que têm relações sexuais, daí em diante o homem só procura a mulher para sexo, raramente saem juntos e podem passar várias semanas sem se verem. Porquê? Porque quer os homens quer as mulheres têm vulgarmente vários namorados e isso não é assim tão fácil de gerir J.

- o casamento: não é habitual haver casamento em Angola, a maioria das pessoas “juntam-se” após um ritual entre famílias. Tudo começa com o namoro entre dois jovens, a partir do momento em que a mulher engravida e desde que ambos estejam de acordo em juntarem-se, então os pais de cada um deles e falam sobre esta união, e sobre o quanto isso vai custar à família do rapaz, 5 grades de gasosa, 6 grades de cerveja, 500 dólares…coisas do género. (se o homem que engravida a mulher nao quiser assumir o filho e a união, há conflitos, ele será obrigado a assumir, as familias não perdoam os cobardes). Depois da “troca” ser feita, ambos vão viver juntos, se tudo correr bem a vida deles será cheia de crianças e de infidelidades, maioritariamente dos homens…aqui em Angola se um homem disser aos amigos que é fiel, é visto com maus olhos e é considerado pouco viril, portanto digamos que os homens aqui não tentam escapar aquilo que a natureza diz que é natural, “poligamia”. As mulheres acostumam-se. Se a união não corre bem, então as coisas são chatas, se não vejamos, a mulher engravidou uma vez, depois o casal juntou-se, entretanto o filho morre de doença (algo vulgar aqui) e a mulher nunca mais engravidou…quando isso acontece a mulher é vista como uma inútil e é devolvida aos pais só com a sua roupa, e os pais têm de devolver o que lhes foi dado na altura da união, as tais grades de cerveja, os tais dólares J . Isto acontece sobretudo fora da capital. Quando o casal já não quer continuar a viver junto por alguma razão, a mulher também não leva nada, fica tudo para o homem e é natural que este coloque alguém no lugar da sua ex-mulher rapidamente. A mulher tem poucos direitos aqui. Na capital a lei defende a mulher por isso já não toma partidos e tudo é dividido a meias.

Aqui predominam as mulheres, há um homem para cada 6-8 mulheres, de forma que é natural cada homem ter várias famílias e como a lei protege os filhos, não diferencia entre filhos legítimos e ilegítimos.

- A família: em média cada casal tem entre 5 a 8 filhos (se fizermos as contas, rapidamente chagamos à conclusão que enquanto cada mulher tem até 8 filhos, cada homem pode ter, em média, 30-40 filhos, de mulheres diferentes), a natalidade aqui é brutal mas a morte infantil também, maioritariamente morre-se de má nutrição (alimentação descuidada, contaminação de águas) ou de Palodismo/Malária, o mosquito não perdoa as crianças.

- o emprego: aqui em média ganha-se 50 dolares por mês e os ordenados atrasam-se dois a três meses, o que significa que muitas vezes as pessoas têm de sustentar as suas famílias com 50 dolares durante mais de 60 dias. As empresas particulares raramente dão contratos aos seus trabalhadores, pelo que, é muito frequente estes chegarem aos seus postos de trabalho e o chefe dizer-lhes que a empresa foi encerrada para obras e que só reabre daqui a 3 meses…até lá não há ordenado para ninguém. As condições laborais também são precárias no que respeita à maternidade e paternidade. No público, a mulher tem direito a três meses de casa, o pai tem direito a dois dias de paternidade. No privado, a mãe é vulgarmente despedida quando vem para casa já no final da gravidez, o pai não tem direito a dias.

E pronto, assim de repente é o que me lembro, depois contarei mais.

Hoje fui dar uma volta ao lobito, para quem não conhece, esta parte do lobito, a Restinga é uma língua de terra que se prolonga para dentro do mar, o oceano atlântico, então é uma zona rica com vivendas grandes, bares, praias bonitas e limpas, muito giro de se ver.

(água relativamente quente e uma praia linda)

( o Sol mais rosa que alguma vez já vi...impressionante)


Se tudo correr bem, sábado irei à praia curtir o mar um pouco, a ver vamos.

São 19.13h e daqui a 17 minutos certinhos tenho de descer para o jantar. Hoje terei de começar a corrigir os testes, já tenho algumas boas dezenas de testes para corrigir, não irei ficar chocada com os resultados, pois já sei que são muito, muito piores do que qualquer população fraca portuguesa, como costuma ser os do IEFP, portanto não vai haver comparações inter-grupais, mas somente intra-grupais.

Obrigada novamente pelos comentários fantásticos, fico cheia cá dentro

5 comentários:

PoPey disse...

Estava aqui a ler esta cena dos camiões e motas a passarem a toda a hora e veio-me à ideia a minha última estadia no Namibe (sul de Angola), terra que apelidei de "terra onde os galos ladram" !! Isto porque sempre à mesma hora da madrugada, entre as 4:30 e as 5 horas, lá estavam eles a ladrar !! como era sempre à mesma hora ao nascer do dia, já estão a ver porque poderiam ser galos, não é ?? hehehe

Sobre os modos de vida diferentes, os usos e costumes... hummm, é África "nossa", não é Europa. Aí a esperança média de vida é de 40 anos e tudo é mais genuíno para o bem e para o mal !! Claro que não concordo, mas... é o que é !!

Não conheço o Lobito mas tenho ouvido dizer bem. Aproveita para "espreitar" tudo o que puderes pois isso ajuda-te a "crescer".

Nota: Fiquei triste por não ver escrito qualquer referência ao pessoal da Marinha que pelos vistos está aí e à Sagres que esteve aí há 2 ou 3 dias atrás !! Mas estou certo que ainda vais escrever qualquer coisita !!

A retaguarda continua a ser mantida !! Beijos !!

Anónimo disse...

Felicidade estúpida?
Por vezes há coisas bem mais estúpidas e que nos fazem estupidamente felizes...vamos nessa fofinha.
Dizem que só em África se consegue ouvir a terra respirar, vê lá se a ouves tá?
Miljinhos

Lynx Pardinus disse...

Sim, compreendo por inteiro quando diz que tudo o que se sente tem maior intensidade. Quando se está longe sabe duplamente bem recebermos um simples email ou sms dos amigos, ou um telefonema. E claro, porque tudo é novo...está sujeita a muitos estímulos. Recebo para mim uma parte de todo esse ruído para que durma melhor nas próximas noites  Muito interessantes todas essas particularidades sobre família, namoro...e as pessoas, o que acha das pessoas? Andam com um sorriso na cara, mais do que nós, ou não?

Recentemente li uma crónica de José Luís Agualusa onde ele se referia a uma exposição de fotografia que uma fotógrafa brasileira organizou salvo erro no Rio, e que mostrava as condições em que vivia uma comunidade de angolanos no Brasil. Em determinada altura, acho que ainda no tempo da guerra, conseguiram ir para o Brasil e por lá foram ficando, mas vivendo em condições muito pobres. Antes de inaugurar a exposição mostrou-lhes as fotos e eles não quiseram autorizar que fosse para a frente, porque lhe diziam que ela só tinha mostrado pobreza, quando ‘nós em Angola somos muito ricos...temos prédios novos, carros muito bons, temos petróleo...somos muito ricos e você só mostra pobreza’...mais ou menos assim. Só com muita insistência, e com o argumento de que, mostrando as condições reais em que eles viviam poderia ser uma maneira de despertar a atenção das pessoas e das autoridades, e de eles serem ajudados, é que concordaram que a exposição fosse para a frente.
Noutra passagem ele falava de um estrangeiro que visitou Angola e perguntava por que é que o povo não se revoltava, uma vez que vive muito mal e os dirigentes têm grandes fortunas. A resposta era essa. A ideia de que ‘nós somos muito ricos’. A ideia de que ‘isso é de nós todos e por isso somos muito ricos’. Depois ele perguntava se os dirigentes não tinham problemas de consciência. E a resposta era que não, porque ‘o nosso povo é fantástico, mesmo que tenha pouco para comer, anda sempre com um sorriso’. Investigue lá Rute, se a realidade de algum modo se aproxima deste palavreado que eu para aqui pus.

Anónimo disse...

Oi Rute!!
Tem sido bom ler as tuas aventuras e desventuras! Lobito é a terra dos meus pais, e é interessante "ver" como as coisas são completamente diferente da época colonial. No entanto, acredito que a natureza no seu estado puro deve ser algo de fenomenal.
Força para o trabalho, e espero que tenhas sabedoria para lidar com as situações.
Beijinhos
Neusa

PedrinhoSSM disse...

2o dia de trabalho com mais historias.
É impressionante o que escreveste sobre os namoros, casamentos e emprego.
A vida é mesmo dura. Receber 50 dolares e ainda por cima com o atraso que recebem.
E a historia dos namoros, casamentos e emprego. Bolas.
O homem é que fica sempre a ganhar. Coitada da mulher. Nunca pensei que a situação da mulher fosse tão fraca por exemplo na situação de ter filhos e de divorcio.
Nunca imaginei tal coisa. Em Luanda isso não acontece tanto. Já é uma cidade mais "capital".
Espero que consigas ir à praia e que dê para descansares e apanhares um bom solzinho com a aguinha quente.
Jokinhas. E vou continuando a ler as tuas historias sobre mais uma tua grande aventura por outros "mundos".