quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Sábado, dia 6 de Setembro – Deixei o meu coração em África

Estou a aguardar pela chegada do avião que me vai levar a Lisboa e sinto um embrulho de sentimentos contraditórios, o que prova que Africa mexe connosco de uma forma especial. Já fiz muitas viagens, já vi coisas magníficas, construções maravilhosas, conheci povos com muita força, povos que sofreram muito… mas nunca tinha visto este Mundo…Africa é uma realidade diferente de tudo o que poderia imaginar. Assim que cheguei a Africa as leis mudaram…não há tantas regras, nada é o que parece, há calma, não há stress, as pessoas mostram a dentadura completa por onde quer que olhemos, o sorriso é uma presença notória…
Senti que a minha mentalidade tinha de mudar, de se adaptar, e foi isso que tentei fazer, na minha opinião com menos êxito do que gostaria, mas tentei desligar o programa europeu e sintonizar o africano, para começar a absorver a beleza de Africa o mais rapidamente possível.

Acho que me consegui sintonizar a tempo de aproveitar o clima, as pessoas, os hábitos, a comida, os valores, a cultura. Aprendi muita coisa, aprendi por exemplo que os recursos básicos e essenciais são de facto escassos e podem faltar…e depois? Depois é um problema…tomar banho com água castanha de suja que está pode ser uma bênção para muita gente, e à falta de melhor… para mim também foi bom, a partir do momento em que aceitei esta realidade.

Luz, Internet, TV??? Recursos falíveis e por isso dispensáveis…a família, o sexo, o diálogo, o copo, a praia e os passeios assumem em Africa um papel mais importante do que as relações unilateriais que se estabelecem através da tv e do rádio…portanto não é de estranhar que haja um choque de pensamento e de modo de viver muito grande.

A sorte acompanhou-me durante toda a viagem, desde o momento em que parti no avião, rumo a Luanda até ao momento em que cheguei, após 5 semanas a Lisboa. Fui acompanhada de uma equipa maravilhosa, ganhei 6 novos padrinhos :) e 1 anjo da guarda que nunca mas nunca me falhou. Tive a sorte inesperada de conhecer pessoas magníficas (portugueses e angolanos) que trabalham no Lobito e que me deram a oportunidade de conhecer o Lobito profundo, protegendo-me de qualquer mal, conhecer melhor a mentalidade dos angolanos, compreender e respeitar…e até admirar o modo de vida dos angolanos.
Todas estas pessoas contribuíram para um crescimento pessoal surpreendente, e só tenho a agradecer por terem feito desta experiência, algo que jamais irei esquecer.


Hoje, já em Portugal…um dia após ter chegado, sinto-me bem sendo portuguesa, sinto-me bem no meu país, mas também sinto saudade e vontade de voltar a Angola. Não posso dizer literalmente que “Deixei o meu coração em África”, mas certamente que África está no meu coração e tudo farei para voltar e ajudar um povo que realmente merece todo o nosso apoio e dedicação. Esse é o meu caminho e essa é a minha missão. Sempre senti que a minha vida era desprovida de uma missão. Claro que constituir família, trabalhar em algo meu e ter um lar fazem parte da minha missão de vida, mas sempre faltou qualquer coisa. Tive de ir a Africa para descobrir que a minha missão passa também pelo meu desejo de ajudar quem mais precisa, e se assim é, então lutarei para que aconteça o mais depressa possível.

Em Outubro irei voltar, para mais uma temporada no Lubango, até lá pode ser que surjam mais oportunidades que me levem de volta ao paraíso e que me ajudem a cumprir a minha missão.

P.S.- estou a ler o livro: “Deixei o meu coração em África”, estou certa que me irá trazer boas recordações.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Lobito, dia das Eleições, 05 de Setembro de 2008

Hoje é dia 6 de Setembro e estou a escrever da sala de espera do aeroporto internacional de Luanda…estou a aguardar a chamada do voo que me vai levar de volta a CASA!!!!!

Como o tempo de espera é grande e a bateria do pc também permite, vou divagar um pouco sobre o que foi, aos meus olhos, o dia mais importante dos últimos anos para os angolanos – o dia das eleições legislativas, a 2ª acção deste género em toda a história do país.

Desde que cheguei a Angola que fui bombardeada com publicidade sobre civismo e eleições (TV, rádio, panfletos, cartazes, posters, outdoors). Foi impossível ficar imune ao contágio desta “epidemia” que se espalhou por todo o lado, com certeza em pouco tempo. E fui mesmo contagiada, porque o meu desejo de participar neste evento foi crescendo a cada dia…a ansiedade, o nervoso miudinho e também a alegria de ver um país a recompor-se de uma forma excepcional, levou-me a querer no mínimo, registar o maior número de detalhes possível sobre este grande acontecimento.

Para começar a publicidade na TV apela ao voto de uma forma muito terra-a-terra, nada política. Os anúncios mostram por exemplo uma família, como tantas outras angolanas, que decidem construir a sua casa e vão a votos. O intuito deste anúncio é o de mostrar que um indivíduo que não votou, poderia ter tido um papel importante numa decisão que lhe era fundamental. Claro que todas as publicidades deste género terminam com música, uma melodia muito popular com letra muito clara: Todos Ao Voto! Todos Ao Voto! Não há africano que não comece a abanar a anca assim que ouve esta música, e só isso já ajuda ao voto, até mais do que a encenação da casa.

Aqui a música exerce um poder indescritível sobre as pessoas. Elas nascem com um sentido de ritmo impressionante. Até nas filas de supermercado as pessoas dançam e cantam ao som da música ambiente que passa baixinho nas colunas, o Kizomba. Em Portugal se alguém tivesse esta reacção seria considerado Maluquinho…é muito giro ver isto e mais do que isso…eu concordo com esta maneira de ser, bem mais alegre e descontraída!

Bom como ia a contar, o contágio foi total, além das publicidades seguiram-se comícios dos respectivos partidos, em que a adesão era fenomenal. As pessoas apoiavam os seus líderes, aplaudiam, assobiavam, gritavam, dançavam…todas as reacções eram bem-vindas…porque afinal traduziam a alegria e a segurança que finalmente começam a sentir de forma sólida no peito…Claramente existe despreocupação, ninguém olha para trás, ninguém receia expressar-se, bem pelo contrário…quem imaginaria ver nas ruas de Luanda bandeiras do MPLA a menos de 5metros de distância de bandeiras da UNITA? Quem imaginaria que o mesmo local serviria de comício para dois partidos diferentes? Impensável…em 1992 o local seria primeiro destruído e só depois seria cedido ao 2º partido…é triste mas era esta a realidade da altura, daí os acontecimentos que depois tiveram lugar nessas eleições.

Chegara a famosa sexta-feira dia 5. Depois de ser dada tolerância de ponto na tarde de 5ª feira, para que as pessoas pudessem começar a preparar-se e deslocar-se para os locais de voto (atenção que aqui a maioria das pessoas desloca-se a pé, de forma a cativar as pessoas para o voto, foi importante dar tempo e oportunidade). Fui convidada pelos meus novos amigos da Secil Lobito a observar as eleições em vários pontos do Lobito, então por volta das 10h seguimos para o local onde o Sr.HC iria exercer o seu direito de voto…Como as filas de espera eram grandes, as pessoas poderiam memorizar a cara do seu líder ou a bandeira.

Quando chega a vez da pessoa votar, pois então é-lhe dado o boletim de voto e depois de assinalar a sua escolha e de inserir o boletim na urna, chega a hora de garantir que esta pessoa não votará mais de uma vez nestas eleições…molha-se o dedo em tinta que permanecerá na pele durante 24h, no mínimo.

Podem achar estranha esta acção, mas de facto é inteligente. Porque o sistema informático ainda é pouco fiável, porque os registos e a comunicação podem falhar, e porque as pessoas podem votar em qualquer mesa de voto que lhes fique mais próximo, de forma a optimizar a deslocação de todos. Há que garantir que ninguém vota duas vezes, nada melhor que um carimbo semi-permanente J

Mas mais do que isso, esse carimbo trás consigo um espírito de união inimaginável. Muito interessante é perguntar pela “prova do crime” às pessoas e notar um sorriso rasgado sempre que mostram o dedo pintado…ninguém ficou ileso, todos levaram com a célebre tinta…e há orgulho nisso. Daquilo que vi, as eleições correram de forma muito pacífica e ordeira, pena é que houvesse falta de organização e que isso trouxesse consigo falta de recursos, nomeadamente materiais. É muito triste ver pessoas que andaram muitos kms para poderem votar e quando chegam às mesas de voto não havia boletins de voto…acabaram, esgotaram! Isto aconteceu em vários pontos do país, inclusive em Luanda, onde ainda a esta hora (20.00) creio que decorrem os últimos votos. Este acontecimento tem sido alvo de grande atenção por parte de todo o Mundo. Observadores vieram de todos os cantos do planeta relatar o que viram. É um momento histórico que não podia falhar. O mais importante foi assegurado, a segurança das pessoas! Faltou a organização, poderá acontecer que o líder da comissão organizadora seja demitido.

Gostei de poder presenciar este momento e espero estar cá novamente quando forem as eleições presidenciais, daqui a um ano, por volta desta mesma altura.

Abraço.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Cultura vs Vida

Quando vim para Africa tinha a noção de que iria encontrar aqui uma cultura muito forte, muito enraizada nas pessoas, muito tradicionalista. Afinal, 30 anos de guerra fez com que muitas "leis" do passado se fortificassem ainda mais, proibindo qualquer tipo de modernização. Isso vê-se em inúmeros detalhes. Mas preocupa-me um detalhe em particular...a saúde das pessoas. Bem sei que aqui o conceito de família, de amor, até de sexo é diferente; e respeito isso. Estou longe de concordar mas respeito porque entendo as origens. Nós também já fomos assim há 30 anos e na realidade haverá com certeza locais do nosso pais onde as pessoas ainda se comportam desta forma. Familias paternalistas, onde a palavra do homem é a primeira e a última, famílias com 10, 15 filhos, e onde existe violência doméstica...ou não...quer dizer...esse conceito é moderno, as mulheres sempre foram vítimas de abusos e isso nunca foi considerado um "abuso", fazia parte; o conceito de violência doméstica há-de ser recente!

Aqui o que me preocupa é a violação dos direitos das mulheres. Se não reparem, por exemplo, um caso que conheci hoje... uma rapariga de 21 anos, muito engraçada, intelectualmente avançada até, para o que é vulgar aqui, candidata à universidade; tem um problema nos seios, tem nódulos que podem ser ou até já serão malignos.

O médico receitou-lhe há um ano um gel em alternativa a uma operação (recomendada) que ela não quer fazer, porque se a fizer, ficará "mutilada" e poderá nunca casar, porque os homens não a vão querer. Provavelmente irão considerá-la inútil para a amamentação ou até procriação...vão considerá-la uma aleijada!!!

A preocupação dela, que deveria ser a de proteger a sua vida, querendo ser operada o mais depressa possível...não é. Ela preocupa-se com o casamento, com a família.

Infelizmente parece que o medicamento não existe cá e estamos nós a tomar as devidas medidas para trazer para cá o dito cujo. Mas é de lamentar isto...

Culturas machistas onde sempre morreram milhares e milhares de vidas...ainda florescem aqui em Africa e não há nada que possamos fazer, se não tentar ajudar com os meios que temos e que eles aceitam.